Suspensão da TEC sobre o arroz terá efeito psicológico
Suspensão da TEC sobre o arroz terá efeito psicológico num primeiro momento
Analista da AgroDados Inteligência em Mercados de Arroz e Planeta Arroz, avalia os impactos da retirada da TEC sobre o mercado brasileiro
Serão psicológicos, num primeiro momento, os efeitos de uma suspensão da Tarifa Externa Comum (TEC) sobre as importações brasileiras de 400 mil toneladas de arroz (base casca) de países de fora do Mercosul, anunciadas ontem pelo governo federal, mas o impacto será gradativo e alcançará a próxima colheita. A opinião é do analista Cleiton Evandro, da AgroDados Inteligência em Mercados de Arroz e Planeta Arroz.
Segundo ele, ao suspender a taxa que corresponde a 12% sobre o grão beneficiado e 10% sobre o produto em casca, o governo atende a um clamor de consumidores, do varejo e da indústria, mas também não deixa o produtor desassistido. “Ainda assim, pelas cotações atuais do comércio internacional, esse volume não deve ser atingido na sua integralidade. Estamos trabalhando com a expectativa de que o Brasil aproveite de 200 mil a 250 mil toneladas, apenas, pois mesmo sem TEC as cotações são similares às do mercado interno. Vai servir, inicialmente, como apenas uma trava para que os preços domésticos parem de subir”, resumiu.
Para o especialista, não há como negar que “os preços saíram muito da caixa, ultrapassaram em pelo menos R$ 20,00 a R$ 30,00 o que deveria ser um valor de recomposição mais um ganho real satisfatório, que o próprio mercado sinaliza entre R$ 80,00 e R$ 85,00, avaliando indicadores de inflação e um ganho médio real anual.
“Por outro lado, temos que lembrar que o custo de produção subiu bem mais que a inflação, que há um passivo caro pressionando os agricultores, que não é crime nem feio ter lucro, pelo contrário, é o objetivo – e deveria ser uma garantia – de qualquer empreendimento lícito, e que 70% dos agricultores venderam arroz entre R$ 46,00 e R$ 60,00, portanto não alcançaram o melhor momento das cotações, não remuneraram com eficiência a sua produção e seguem com dificuldades”, afirma.
Cleiton Evandro lembra que a alta dos preços é reflexo de uma conjuntura nacional e internacional que favoreceu a valorização de produtos alimentares básicos, como o câmbio e a pandemia, que ampliou o consumo brasileiro e global. “O Brasil e o Mercosul se tornaram referências para o abastecimento mundial no momento em que os Estados Unidos estavam sem disponibilidades e a Ásia sofria lockdown e suspensões de embarques, isso gerou grandes exportações no Conesul, mas também enxugou bastante os estoques no bloco e ajustou o quadro de oferta e demanda a ponto de termos os valores domésticos em patamares internacionais”, ilustra.
Evandro explica que o efeito psicológico das importações sobre o mercado, num primeiro momento, será uma certa estagnação nos patamares das cotações. “O mercado vai avaliar, inicialmente quais os impactos reais dessas importações. E perceberá que não serão um bicho-papão. Num segundo momento, poderemos ter um pequeno avanço na oferta, mas o fato é que há pouco arroz disponível e na mão de poucos produtores, então mesmo que se queira, estabelecer um bom fluxo de negócios não é uma missão muito fácil. Externamente, vai demorar a ter arroz disponível para comercializar, ou seja, na prática o mercado não tende a ser muito afetado em termos de preços”, alerta.
Ainda de acordo com o analista, não se deve esperar um grande choque nas cotações. “Os preços sentirão um reflexo da ação governamental, mas a conjuntura indica que não será de forma tão significativa. Não há arroz disponível para entrar no Brasil antes da segunda quinzena de outubro e grandes volumes só chegariam a partir de novembro. Ou seja, o mercado precisa se virar até lá com o grão da safra nacional e com os estoques em baixa da Argentina, Uruguai e Paraguai. Além disso, nota-se claramente que as indústrias estão mais ansiosas para fechar um estoque que lhes garanta até fevereiro ou março com giro alto. Depois, sabem que haverá uma grande safra”.
Ele ressalta que a expectativa é de que o Brasil compre pouco mais de 50% das 400 mil toneladas que devem ser liberadas da TEC pelo governo. “Bem da metade será dos Estados Unidos”.
A safra norte-americana, em especial no Arkansas, que corresponde a 50% da produção daquele país, começou a atrasar e está sendo colhida com grau de umidade superior ao desejável por causa das chuvas e tempestades que não só geraram acamamento de plantas, como danificaram silos e não permitem o ingresso das colheitadeiras no campo. “Esse grão precisa ser colhido, secado e maturar até chegar ao Brasil. Isso são de 45 a 60 dias de prazo até estarem prontos para o beneficiamento no caso do cereal em casca. Em dezembro, janeiro e fevereiro o consumo cai e já começam as colheitas no Mercosul, o que normaliza o fluxo de oferta”, assegura Cleiton Evandro.
Entende que o limite de 400 mil toneladas também é fator a ser observado com atenção. “Trata-se de 12 dias do consumo nacional, como o aumento da demanda ainda não foi mensurado, pode representar até menos do que 12 dias. Sobre uma previsão de consumo de até 11,3 milhões de toneladas, as 400 mil representam pouco mais de 3,5%. Só o Rio Grande do Sul tem vendido mensalmente mais de 800 mil toneladas de arroz processado ou em casca> Se entrar 50%, ou seja, 200 mil toneladas, estamos falando de seis dias de consumo, menos de uma semana”, lembra.
Mas, um dos fatores determinantes para que as compras internacionais não afetem tanto as cotações internas, é o preço internacional. “As cotações, mesmo sem a incidência da TEC, estão altas. O arroz norte-americano vai chegar no Brasil, em fins de outubro, em média por R$ 102 a R$ 110,00, se o dólar se mantiver entre R$ 5,30 a R$ 5,50. Esse é praticamente o valor negociado aqui dentro. O grão indiano superior chega um pouquinho abaixo dos R$ 100,00, mas entre comprar da Índia e no Mercosul, se tiver disponibilidade, não há dúvidas na escolha do industrial e nem na preferência do consumidor”, afirma.
“Acredito que o mercado interno vai se adequar a esta realidade, absorver este impacto, mas o que há disponível de arroz para venda até janeiro, tende a manter cotações ainda remuneradoras frente aos preços registrados nas últimas temporadas”.
NOVA SAFRA
O maior problema, entende o analista, pode ocorrer é na chegada da nova safra. “Com os preços altos, a tendência é de que tenhamos uma área semeada bem maior do que o previsto e, diante disso, uma colheita de 12 milhões de toneladas no Brasil e mais 3,6 a 3,8 milhões no Mercosul, tende a pressionar bastante as cotações internas a partir do final de fevereiro, início de março”, reconhece. Evandro enfatiza que a história ensina que sempre que o Brasil comprou nos Estados Unidos e na Ásia, teve preços muito baixos e precisou de intervenções dos mecanismos de comercialização do governo no próximo ano. “É onde ninguém quer chegar, ter que depender de novo de preço mínimo, que hoje está em R$ 40,00 e não cobre os custos de produção nem mesmo de quem está colhendo muito bem. Daí a importância de não se cometer exageros”.
O diretor da AgroDados IMA acredita que os números da intenção de plantio divulgados pelo Irga, de 970 mil hectares no Rio Grande do Sul, são otimistas em favor do setor produtivo, mas que podem até estar subestimados. É algo que só no conjunto da safra, em seu andamento, saberemos. “O Irga costuma acertar em cheio suas projeções, é muito eficiente, mas na atual temporada pela primeira vez nota-se divergências, uma vez que as consultorias privadas apostam em área de um milhão de hectares ou mais, o que não é exagerado diante do fato do Rio Grande do Sul, há alguns anos, plantar até 1,17 milhão de hectares”, cita. Técnicos do próprio Irga, informalmente, admitem que a área pode ficar em torno de 1,05 milhão de hectares, a depender de uma conjuntura climática.
Numa colheita normal, sob intervenção de La Niña, a produção gaúcha sobre um milhão de hectares ficaria em torno de 8 milhões de toneladas, o que não é tão preocupante para o mercado em condições normais e sob a manutenção do atual patamar de consumo. Somando mais 1,2 milhões de toneladas de Santa Catarina, restariam 2,8 milhões de toneladas no restante do Brasil para chegar às 12 milhões de toneladas previstas pela ministra Tereza Cristina na próxima safra. Daí os fatores climáticos podem não ser tão favoráveis. “Se no Sul o fenômeno La Niña traz tempo mais seco, mas chuvas pontuais e até alguns temporais em áreas isoladas, no restante do país há um desequilíbrio maior que pode afetar produtividades, em especial no arroz de sequeiro”, acrescenta.
O restante do Mercosul deverá colher 3,6 a 3,8 milhões de toneladas, mas elevou o consumo para um milhão de toneladas internamente, e segura mais 200 mil em estoques de passagem. “Um quadro de suprimentos de 15,8 milhões de toneladas de colheita, mais 500 a 600 mil toneladas de estoque de passagem, uma vez que o Paraguai e o Uruguai devem entrar praticamente zerados em 2021, é preocupante, em especial se houver avanço significativo das colheitas do hemisfério norte”, observa Cleiton Evandro.
“Precisaremos escoar pelo menos 2,8 milhões de toneladas para equilibrar oferta e demanda internas e isso, na colheita, pode pressionar bastante o mercado e achatar preços”, completa.
O analista entende que um gradiente de preços internacionais entre R$ 95,00 e R$ 110,00 até o final do ano, como referenciais de paridade, é suficiente para manter as cotações brasileiras acima dos R$ 85,00 sem grande esforço. “A menos que as importações levem o Brasil a tirar da cartola um arroz que não se imaginava existir, o que é bem difícil. A conjuntura não indica preços muito mais baixos exatamente por causa da paridade e da previsão de algumas compras mais fortes no Mercosul, mas em patamares também próximos dos R$ 100,00 por saca até janeiro”, finaliza.
PARA SABER MAIS
* A retirada da TEC não muda as cotações de forma substancial num primeiro momento porque os preços internacionais estão altos e o câmbio é desfavorável. Mesmo sem TEC, os preços de internalização do arroz devem rondar os R$ 100,00 por cada 50 quilos, valores muito próximos dos atualmente existentes no país.
* Mesmo sem TEC, o Brasil tem dificuldades de comprar arroz no mercado internacional. O Mercosul tem baixíssimos estoques – que devem ser zerados no Paraguai e no Uruguai – e os primeiros embarques de grão da Ásia e dos EUA só chegarão ao país na segunda quinzena de outubro e em novembro.
*De dezembro a fevereiro historicamente cai o consumo brasileiro e já começa a safra do Mercosul.
* A previsão para a próxima safra é de uma colheita de 12 milhões de toneladas no Brasil e 3,6 a 3,8 milhões de toneladas no Mercosul, mais do que suficiente para garantir o abastecimento do bloco e ainda exportar 2,5 milhões de toneladas – pelo menos. Outras 600 a 700 mil toneladas devem formar o estoque de passagem dos quatro países.
*Considerando que o Brasil importe as 400 mil toneladas sem TEC, ainda assim o volume corresponde a apenas 12 dias de consumo no país. Mas, pelos valores de paridade, numa primeira avaliação, espera-se que o Brasil adquira de 200 a 250 mil toneladas.
* Os volumes adquiridos devem ser carreados para a composição de “mix” na indústria, uma vez que o arroz norte-americano e o indiano, principais fontes de abastecimento, têm qualidade inferior ao do produto brasileiro. Os Estados Unidos têm predominância do cultivo de grãos híbridos, mistura de variedades de padrões de cocção diferentes, enquanto o indiano é conhecido pela grande diversidade por tratar-se de uma produção concentrada em minifúndios.
Fonte: Cleiton Evandro, analista da AgroDados Inteligência em Mercados de Arroz / Planeta Arroz.
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