Mercosul-UE: diversos fatores favorecem acordo
As recentes investidas protecionistas do presidente norte-americano Donald Trump podem dar uma espécie de empurrão no processo de acordo comercial entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, que foi fechado no ano passado, após duas décadas arrastadas de negociações. um possível aperto no mercado da Europa, em meio ao processo do Brexit, faz com que o tratado com os países da América do Sul torne-se uma boa alternativa para os conglomerados europeus equilibrarem seus negócios pelo mundo. O acordo com os quatro países Mercosul é apontado por alguns agentes da União Europeia como fundamental não apenas sob o ponto de vista econômico, como também em relação à geoestratégia. No fim da semana passada, o governo Donald Trump anunciou o aumento de tarifas sobre aeronaves europeias para 15% a partir do dia 18 de março, depois que tinham sido estipuladas em 10% em outubro. Há 15 anos, os dois lados estão em um embate sobre subsídios, que tem a francesa Airbus e a americana Boeing como protagonistas.
Tanto na Comissão Europeia quanto no governo brasileiro, a avaliação é de que quanto mais os Estados Unidos apelam para a unilateralidade, mais os europeus ganham apetite por outros acordos comerciais, como o do Mercosul e o do Vietnã, por exemplo. Na semana passada, o Parlamento europeu aprovou um acordo que praticamente elimina todas as tarifas sobre as mercadorias comercializadas com o país asiático. Em troca, conseguiu o compromisso do governo vietnamita de que fortalecerá os direitos dos trabalhadores locais. Se tudo der certo, União Europeia e Vietnã liberarão a entrada em vigor do pacto em julho. Nesse mês, a maior economia europeia, A Alemanha, iniciará o mandato da presidência rotativa da União Europeia, na sequência, virá Portugal. O acordo com o Vietnã foi fechado quatro anos antes do tratado entre europeus e o Mercosul. Há apostas, no entanto, de que o Mercosul possa pegar uma carona nesse processo e acabe sendo beneficiado pela intenção da Alemanha de agilizar o maior número possível de acordos, principalmente sofrendo desgastes com os Estados Unidos.
O governo alemão tem ressalvas sobre questões ambientais no Brasil, visto hoje como uma das principais barreiras para a aprovação do tratado pelos parlamentares europeus, mas a Alemanha é uma clara defensora do acordo comercial. Além disso, enxerga nesses novos pactos uma forma de marcar posição de todo o bloco em relação ao protecionismo dos Estados Unidos. Recentemente, a União Europeia fechou compromissos de livre comércio com Canadá e Japão e agora começará a negociar o futuro comercial com seu primeiro dissidente: o Reino Unido, que abandonou o bloco no dia 31 de janeiro. Ter um mercado novo, e de alto potencial de consumo, a ser explorado acaba sendo uma saída para a Europa. Afinal, juntos, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai contam com mais de 260 milhões de habitantes, enquanto os 28 países da União Europeia (ainda contabilizando o Reino Unido) reúnem 512 milhões de pessoas. Para se ter uma ideia, menos de 3% das mercadorias da maior economia do bloco europeu são vendidas para o Mercosul atualmente.
Neste momento, o acordo entre União Europeia e Mercosul passa pelo período de revisão jurídica dos termos, um trabalho que deve se estender até abril ou maio, por causa da grande quantidade de páginas do acordo. Basicamente, o texto trata sobre como as tarifas e impostos dos dois lados serão reduzidos gradualmente e, em alguns casos, eliminados por completo, além de como os padrões normativos devem ser harmonizados. Neste caso, há, inclusive, um artigo inteiro relacionado ao Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas. Na sequência, é feita a tradução do documento para as línguas dos membros do bloco. Há quem aposte na tentativa de deixar todo esse processo burocrático encaminhado o mais cedo possível para que, em julho, quando a Alemanha assumir o comando do bloco, já possa iniciar suas operações. Desde que o acordo estava para ser finalizado, a França foi o país que mais declarou ressalvas ao texto.
Há uma grande preocupação com a possível enxurrada de produtos agrícolas do Mercosul mais baratos e de melhor qualidade do que os itens locais, em grande parte subsidiados pelo governo. Com a polêmica das queimadas da Amazônia em agosto do ano passado, não apenas as discussões subiram de tom, envolvendo rusgas diretas entre os presidentes Jair Bolsonaro e Emmanuel Macron, como acabaram sendo absorvidas por outros países europeus. A própria Alemanha tem preocupações sobre essa questão, mas deve assumir o papel de fiador do Mercosul em relação ao bloqueio a produtos que possam ter alguma relação com o desmatamento da floresta ou outras questões ambientais, em especial soja e carne bovina. Já há propostas sobre certificações locais em relação à carne brasileira, por exemplo. Paralelamente às discussões ambientais, há uma frente na Europa cada vez mais consistente em relação ao início de imposição de tarifas a produções que têm excesso de emissões de carbono.
Mesmo que a Alemanha tenha sucesso em sua empreitada, o texto do acordo ainda terá se passar pelo crivo do Parlamento, uma etapa complexa. Além da França, outro país que está criando obstáculos é a Áustria. Em setembro do ano passado, logo após as polêmicas em torno das queimadas na Amazônia, quatro dos cinco partidos do país votaram contra o acordo União Europeia-Mercosul em seu Parlamento local. Desde então, quase nada avançou, mas a Comissão Europeia acredita não ser tão complicado derrubar esse posicionamento do ponto de vista jurídico. Mesmo na França, há um trabalho de bastidores de grandes corporações locais com atuações no Mercosul também a favor do acordo. Com seus mercados domésticos já sem ter muito como crescer de forma orgânica, há uma busca por ‘facilitações’ em outros mercados para continuarem a ter desempenho global relevante.
Quanto a questões internas do Mercosul, o governo brasileiro se preparava para avançar nas negociações comerciais com o exterior quando a barreira com a Argentina foi quebrada com a visita do embaixador argentino ao Brasil na semana passada. Os presidentes Jair Bolsonaro e Alberto Fernández devem agora aparar as arestas em breve. O governo brasileiro temia fortemente que, além de não se tornar um aliado, o país vizinho pudesse ser um obstáculo às negociações do processo de abertura econômica liderado pelo governo Bolsonaro, que tem como sua principal meta atual o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia. Inicialmente, um encontro entre os presidentes de Brasil e Argentina ocorreria no dia 1º de março, no Uruguai, durante a posse do novo presidente uruguaio, Luis Lacalle Pou. Mas, Fernández informou que não irá pois fará o discurso na abertura das sessões ordinárias do Congresso Nacional argentino.
Segundo o governo brasileiro, a Argentina não está interessada em atrapalhar a entrada em vigor do acordo, como se chegou a temer internamente. Neste momento, o processo está sendo tocado nos campos jurídico e legislativo pelos dois blocos e há uma perspectiva de que no início do segundo semestre possa ter avanço em mais uma etapa. Uma afinação sobre o tema entre Bolsonaro e Fernández é tudo o que o Brasil deseja neste momento. Além de uma resolução intra Mercosul, um acerto local também pressiona a União Europeia a agilizar o seu lado. Ao que tudo indica, o novo presidente argentino está disposto a assinar o acordo comercial até julho. Por conta dos problemas econômicos do país, o avanço do pacto deve restringir-se ao Executivo e não chegar a ir ao Congresso na sequência. Recém-eleito, Fernández trabalha com cautela, lidando com os parlamentares e os desejos da população de melhora doméstica do quadro de emprego, redução da inflação e dos juros.
A Argentina negocia um novo auxílio do Fundo Monetário Internacional (FMI) neste momento e precisa também do apoio da Europa para obter o benefício. Um “engavetamento”, no entanto, não é visto necessariamente como uma má notícia para a obstinação brasileira em colocar o pacto comercial em prática. Isso porque um acordo foi fechado entre os membros do Mercosul em julho do ano passado e que permite a entrada em vigor do tratado de livre comércio com a União Europeia por qualquer um de seus membros que tenha finalizado seus trâmites internos. Com essa saída preparada ainda durante o governo do ex-presidente argentino Mauricio Macri, nenhum país ficará dependente das questões domésticas dos demais parceiros. Assim, o Brasil não fica na dependência da Argentina para levar o seu plano adiante. O Brasil poderá começar a colocar o tratado em prática bilateralmente assim que a União Europeia aprovar o acordo. Essa foi uma “carta na manga” considerada fundamental para o andamento do processo, que foi liderado pelo Brasil, a maior economia não só do grupo, mas da América Latina. Até porque, as relações entre os dois países desde que Fernández assumiu não eram favoráveis.
Os dois governos têm visões bem diferentes sobre como administrar um país, mas a avaliação que passou a prevalecer no governo brasileiro desde dezembro, quando Fernández tomou posse, é que o comando do país está dividido em uma ala mais protecionista, ligada aos Kirchners, e outra mais pragmática. É com o protagonismo desta segunda que o Brasil está contando, assim como negociadores do lado europeu. A própria necessidade da Argentina de recorrer ao FMI é um trunfo para os principais líderes do processo nos blocos. O Brasil pode apoiar a demanda argentina se Fernández confirmar tudo que chegou ao governo sobre o pacto comercial com a União Europeia. De outro lado, a Alemanha, que é favorável ao tratado, é considerada um país-chave para a questão argentina por ser o país europeu com maior peso no FMI. Após um encontro entre Fernández e a chanceler Angela Merkel no início deste mês, em Berlim, a líder europeia avaliou que a Argentina não está em situação econômica fácil e garantiu que dará apoio para o colega conduzir os trâmites necessários para superar a sua crise doméstica. Fonte: Agência Estado.
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